9/28/2009

Balanço eleitoral

E assim termina a short story "Rita rói-me o rosbife". Como sempre, deve ser lida do primeiro para o último (este) post


“Rita rói-me, quero ser o teu rosbife!”… Ou “Rita rói-me o rosbife”..? De modo inquietante, na confusão exaltada que se instalou, esse acabou por ser o pomo da discórdia, pois ninguém, a não ser os dois envolvidos – Reinaldo e Rita – sabia exactamente se teria Reinaldo requerido à Rita que o roesse como a um rosbife ou teria à Rita, Reinaldo rogado que lhe roesse o rosbife.

Confusos? Não era caso para tanto! Mas a linha de choque estabeleceu-se aí, na medida em não se ignorava que a manifestação machista de Reinaldo era apenas uma boca sectária, entre tantas que se alimentavam já dentro do nosso movimento.

“Até parece que tirei um naco do rosbife à miúda!” – A Rita era uma rapariga um tanto roliça e eu escutava o Reinaldo – Reinaldo o Radical: um pregador fogoso capaz de arrebatar rebanhos inteiros à influência nefasta duma hierarquia já ocupada na escalada dos degraus.

Sim! Éramos então muito poucos ainda, mas já muito díspares nas plataformas, correntes e fracções espartilhando um pensamento que, não devendo ser único, deveria ser tendencialmente unido… E o que era para ser um escândalo privado, logo se transformou num caso público exemplar: Havia que rasurar o radicalismo e Reinaldo com ele!

Instintivamente, todos pareceram compreender as extrapolações políticas possíveis do caso e as linhas de separação definiram-se, extremando-se os campos!

Os compagnon da route radical de Reinaldo reivindicavam a sugestão libidinosa, mas seguramente conforme ao rigor, de que Reinaldo apenas rogara a Rita que o roesse como um rosbife… “Não era bonito!” – reconheciam os “reinaldistas” – concordando não ser particularmente polido cumprimentarmos alguém em termos puramente gastronómicos, “mas” – realçavam os reinaldistas– também não era caso para ruir o Carmo e a Trindade só porque Reinaldo quisera ser roído por Rita.

Alguns, mais ariscos entre eles, arriscavam que, no caso da Rita e do Reinaldo, o rosbife era porém particularmente sugestivo uma vez que “Rita rói-me, quero ser o teu bacalhau à Braz” teria sido muito pior. E por fim, meia dúzia de indefectíveis, coração e alma do séquito sebastianista de Reinaldo, deitava para trás das costas o politicamente polido e roncava abertamente as artes de galã reputado ao Reinaldo!

“Rita rói-me, quero ser o teu rosbife” era – “realmente” – reafirmavam os radicais “reinaldistas”, uma rabecada de estilo à rapariga, na medida em que a prosa cortesã do Reinaldo apurava-se na solicitação de um beijo à Rita. “Rita rói-me” como quem “Rita beija-me”, enquanto que o rogo de Reinaldo por ser um rosbife (reafirmavam os seus radicais) era uma rebuscada metáfora exprimindo inovadoramente à Rita o desejo de esta o considerar (a ele, Reinaldo) como o seu nutriente amoroso. Tudo o mais – concluíam - eram extrapolações maliciosas de mentes perversas e prostituídas ao grande Capital.

“Nada disso!” – exclamavam do outro lado as vozes reprovadoras de Reinaldo e, curiosamente, opositoras ferozes às suas propostas políticas radicais… Sustentavam que se Reinaldo apenas houvera dito “Rita rói-me, quero ser o teu rosbife”, já por si teria sido pesado, porco e pequeno, mas o “canalha” – ajuizava uma maioria cada vez menos silenciosa - atirara “Rita rói-me o rosbife”.

“Rita rói-me o rosbife!” - reclamavam, iradas, as consciências - não podia ser reparado como reclamação imaginativa de um beijo inocente por Reinaldo (como este se desculpava), uma vez que estava realmente implícito um convite explicito para o sexo oral.

Ora Rita não era íntima de Reinaldo. Não eram amantes. Se o fossem e estivessem na cama, talvez a rapariga tivesse achado o “Rita rói-me o rosbife” basicamente rasca. Ou talvez até considerasse picante… saboreando uma carne mal passada, quem sabe?!

Porém… porém esse não era o caso: pois no universo pluralista em que nos movíamos, a relação de Rita e Reinaldo rasava não raramente a raiva. E se Reinaldo retinha Rita na retina! Regalava-se Reinaldo com a retina no regaço roliço da rapariga sempre que a oportunidade se proporcionava. E escusado será dizer que Reinaldo reiteradamente se precipitava com rapina… para um par de oportunidades! Assim era Reinaldo: um radical de acção e não apenas de fina oratória.

Talvez Reinaldo, num acesso de soberba mal contida, julgasse que o frio desdém de Rita reflectisse numa ambivalência excitada pela mútua atracção física renegada pelas facções opostas a que ambos pertenciam. Talvez… e se não fosse o professor de Karaté… talvez não se tivesse queimado o radicalismo no nosso movimento pela lenha lânguida e assaz fogosa duma provocação reles mesclada de sectarismo e sexismo de esquerda: tudo muito bem moído… no bife tártaro da Primavera hormonal que o nosso líder extremista experimentou. "Rita rói-me o rosbife": não houve luta de classes que suportasse tanta vanguarda!

Mas o rum rolava e, naquela quermesse, eu já nem sabia da rolha, quanto mais do rosbife. Perdi a revolução?

2 comentários:

LR disse...

Rita rói-me o rosbife? Isto é um trava línguas?

Pedro disse...

Apenas uma metáfora sobre as linhas evolutivas e os caminhos da "esquerda moderna"