O último cabalista de Lisboa não é uma peça de ficção: assentou arraiais ali nas Escadinhas do Duque, mesmo por cima dum dos decanos alfarrabistas. Vive a 100 metros duma estação de comboios, mas não saiu da cidade, uma única vez que fosse!, nestes derradeiros 50 anos. O seu misterioso mister foi transmitido, de geração em geração, no seio duma antiquíssima e notável família de místicos sufis exilados à beira Tejo, entre fumos incensados, tâmaras secas e rugosos papiros. Não tirou cursos-rápidos pela internet e também não possui "poderes herdados", senão aqueles que concernem à disciplina e dedicação empenhadas numa vida de contemplação e estudo dos segredos mais bem guardados por Deus. O último cabalista de Lisboa não tem televisão ou telefone, mas fez da exígua marquise uma luxuriante estufa onde cultiva as suas próprias ervas aromáticas. Os vizinhos estranham-no, mas raramente o sentem.