2/09/2010

Marionetas do Horóscopo 3

Na solidão da casa, sem um gato sequer para afagar, roçando a imundice, de roupão e chinelos, mas sem as devidas ceroulas, decidi exilar-me, reduzindo ao mínimo indispensável os contactos com o mundo exterior. Não estava para festas. No meu desamparo morria de vergonha, não tinha coragem de frequentar os cenários e as gentes do costume, vergado como estava à desonra da derrota, ao desânimo moral e ao desastre matrimonial que me atingira. Faltavam-me as devidas forças, pois se ficar sem mulher era mau, perder a face era efectivamente muito pior. Queria apenas isolar-me como um bicho. Houvesse um buraco fundo e ter-me-ia escondido nele, mas na sua ausência deixei-me estar em casa escutando, por entre persianas corridas, o fragor do mundo.

Tinha tabaco e, numa análise bem realista, nada a perder nesse exílio voluntário, senão estuchas familiares e os magios, mas o mais prático seria ainda mudar de amigos. Claro! E e se os vizinhos perguntassem? E se esbarrasse num encontro fortuito… “Nunca mais te vi! Que é feito da Inês?” – pois, pois… que era feito dela… Que diria eu? Por mais que fugisse ou que me escondesse em casa, não podia evitar completamente a vida real que se agitava lá fora. Um dia teria de ir trabalhar, noutro encontrar-me-iam no café, num terceiro esbarraria numa Eunice qualquer. Como justificaria o desaparecimento da Inês?

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