4/05/2010

Marionetas do Horóscopo 19


Tornei ao Ascendente. Fiz este tipo de reexames inúmeras vezes num ciclo contínuo de leituras cruzadas, recuperação de passagens e troca de dados. Os resultados mantiveram-se.

E uma vez mais recapitulei:


“Virgem com Ascendente Peixes”. Folheava os vários livros que levara como a indemnização possível da biblioteca, lendo sistematicamente que “é nervoso e crê que tem pouca vitalidade. Traz-lhe muitos benefícios contactar com o mar, estar só e ter consciência dos problemas religiosos, sobretudo se não se subestimar, pois é uma pessoa intuitiva e empreendedora.”[1]

Convenhamos que não era propriamente reconfortante! Mas, simultaneamente, não havia nada de mais dramaticamente verdadeiro, incluindo aquela parte da “consciência religiosa” ou não estaria ali eu, empedernido sportinguista, estudando astrologia..?

Primeiro, porque era realmente um tipo “nervoso”, tendo sido um adolescente epiléptico. Tomara - durante anos - três comprimidos cor-de-laranja ao pequeno-almoço, almoço e jantar, para evitar ataques de fúria e tiques incontroláveis que iam desde o revirar os olhos, a entrecruzar os dedos das mãos ou simplesmente torcer o nariz.

Depois, era claro que sempre me considerara com pouca vitalidade, mas também não era para menos: era epiléptico, pelo amor de Deus! E desde apanhar porrada de miúdas na escola primária – seria possível considerar algo mais humilhante? –, até nem sequer levar “tampas” no liceu, pela aguda timidez que sempre me fez perder o amor do momento para o primeiro idiota de ocasião; fora o arquétipo do jovem urbano-depressivo que vestia de preto, enrolava a língua e lia Baudelaire ao som dos Joy Division. Ou sem adornos literários: uma quase aberração da natureza. A minha própria família nunca depositou grande fé nas minhas capacidades, tendo-me sido pressagiado num determinado Natal que jamais conseguiria entrar na Faculdade. E quando entrei, logo disseram “História” como quem ajuizava: “pobrezinho, não dá para mais”…


[1] Hadès, O universo da Astrologia, Lisboa: edições 70, 1997, pág. 171

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