Mas para quê dramatizar? Desde que me conhecia que sempre tivera uma imagem pouco abonatória sobre mim. Sabia agora ser resultado de pertencer ao signo Virgem. Se falhava como ser humano, já não era por meus erros, maus genes ou certas experiências madrastas da vida.
Com efeito, nem sequer possuía motivos válidos para me encontrar mais deprimido do que o habitual, uma vez que a astrologia absolvia-me pelas minhas derrotas e desventuras. Pelo contrário, passei a experimentar até um alívio de consciência, mais: uma tremenda libertação! A culpa não era minha, quanto muito das estrelas! Tivessem-me parido noutra altura e eu já não seria um caso perdido. Na hora precisa, au point, até podia ter saído um contabilista bem sucedido da cartola.
E aqui estava o espinho: “se tivesse nascido a horas decentes”. E porque não o fizera? A doutrina astrológica atribuía à vontade o acto de nascer. Estando os bebés nas barrigas das mães, nascem quando têm de o fazer, quando sentem que é chegada a sua hora, sucedendo, por isso, muitas vezes, que o rebentamento de águas e as respectivas contracções e dores de parto se iniciem nos locais mais estrábicos como restaurantes, transportes públicos ou mesmo elevadores de arranha-céus.
No meu caso, não tive direito de opção. Escolheram por mim, elegendo o ocaso daquele dia de Setembro para meu nascimento, os médicos que operaram a cesariana no Hospital Particular de Lisboa. Sonegaram-me a vontade inicial. Quem poderia calcular a dor traumatizante, o dano psicológico, experimentados por mim, ao ter sido lançado às feras sem me sentir preparado? De algum modo, significou isso que fui um rebento da cupidez médica, pois nasci não quando a minha vontade o estipulou, mas consoante as conveniências do agendamento de operações mais lucrativas em curso. Foi no dia 2 porque não teria havido nenhum transplante de fígado ou hérnia discal, para me fazer sombra. Podia ter sido no dia 3. Ou no dia 4. E foi às 20 horas porque sim. Alguém se deu ao trabalho de me perguntar qual seria a minha conveniência?
Nunca pude provar esta minha teoria, mas ninguém ma tirou jamais da cabeça: era uma vítima de certas estratégias de rentabilização hospitalar! Tivesse eu nascido a horas e dias decentes e seria uma pessoa totalmente diferente. Calhando, seria até uma pessoa normal. Mas não, fizeram de mim uma Virgem com Ascendente em Peixes! Ou “O Pateta”, como honestamente me explicaram mais tarde.
Se houvera nascido umas horas antes, de madrugada por exemplo, teria Ascendente Leão e o horóscopo anunciar-me-ia, entre o rufar de tambores, do seguinte modo: “está predestinado a enriquecer, sem dúvida devido a uma profissão liberal. Tem sentido de humor mas é bastante susceptível. São notáveis os seus dons para comunicar aos outros a sua sabedoria”[4]
Teria sido muito melhor, não..? Sinceramente, lia e relia, pensando seriamente processar aqueles médicos encartados… Mas como? Não estava nos Estados Unidos onde, por vezes, os juízes atribuem indemnizações astronómicas pelos motivos mais descabelados. Não. Era inútil sonhar com processos judiciais, pois nem mesmo um idealista como eu podia acalentar ilusões a esse respeito. Os tribunais, simplesmente, não estavam preparados para atender acusações baseadas em considerações astrológicas: “Indeferido" - sentenciaram-me os botões!
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