6/08/2010

Sebastianismo e Saudade

Sebastianismo e Saudade… o que tantos e tantos intelectuais portugueses exorcizaram como os grandes estigmas da vida portuguesa, não deixam de ser, contudo, as grandes contribuições da nossa cultura para o mundo, pelo carácter verdadeiramente obsessivos que esses mitos – que sob outras linguagens também foram desenvolvidos por outros povos – tiveram (e têm) entre nós! Passividade, espírito acrítico, melancolia, ilusão e preguiça, redenção sem esforço, esperança cega e louca no milagre providencial que (nos) salvará: tudo isso é Sebastianismo e Saudade, tudo isso será Fado, mas tudo isso é também Portugal – ou pelo menos o Portugal imaginado (com as suas diferenças) por Pascoaes ou Pessoa.

Outros, como Bandarra ou Viera, destacaram-se na secular devoção da Saudade e do Sebastianismo. Mas fixemo-nos em Pascoaes e Pessoa: o primeiro liderou o mais importante escol reunido da intelectualidade portuguesa na “Renascença Portuguesa”; o segundo foi, simplesmente, o “super-Camões” por ele próprio anunciado.

Pascoaes propôs a Saudade como tema estruturador central do carácter nacional português, surgindo como desejo e dor; confundindo-se num só sentimento que combinava o elemento carnal e espiritual, o passado e o presente. Elevada à categoria de verdadeira religião portuguesa, a Saudade seria o grande sentimento que se encontrava por detrás da grandeza de Portugal e dos principais acontecimentos que sucessivamente lhe deram expressão, como a fundação de Portugal, a vitória de Aljubarrota, os Descobrimentos, o Sebastianismo e a Restauração de 1640.

Acreditava o poeta que o povo português criou a Saudade como síntese perfeita das suas origens arianas e semitas, a partir de cujo caldo se formou! Nesta mistura única de cruzamentos e influências encontra-se, precisamente, a especial característica da portugalidade: a sua competência para estabelecer pontes entre civilizações e criar correntes de diálogo entre diferentes religiões e culturas. Lirismos? Tal vocação dos portugueses para o multiculturalismo é, por si só, suficientemente moderna e premente… Mas Pessoa foi muito mais longe!

Tendo-se afastado bem cedo de Pascoaes e do movimento da “Renascença Portuguesa”, não apenas por razões de ordem filosófica e política, mas também estética (o saudosismo combinava-se mal com o futurismo que veio a abraçar), Pessoa iria tornar-se no grande arauto dum sebastianismo redentor e porvir.

Para Pessoa e para os “sebastianistas”, D. Sebastião não morrera porque os símbolos não morrem e num sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com a derrota de Alcácer-Quibir e que só voltará a resgatá-la com o regresso do Encoberto, vindo da ilha longínqua, numa manhã de nevoeiro – representando esta figuração o renascimento nacional envolto pelos elementos da decadência que a névoa representa, quais restos da noite na qual hibernou o país.

Partindo duma velha profecia inscrita no “Livro de Daniel” do Velho Testamento e na esteira do que Vieira anunciava, séculos antes, acerca do surgimento dum Quinto e final Império liderado por Portugal e construído na verdadeira fé, sem pecadores, miséria, necessidades ou guerra e sendo infinitamente justo, livre e harmonioso; Pessoa iria, também ele, profetizar o renascimento pátrio através da hegemonia cultural e espiritual portuguesa, consciente de que a dimensões geográfica, humana e económica do país eram incompatíveis com as velhas fórmulas de expansão e dominação imperial. Ou nas palavras do poeta: “esse futuro é sermos tudo.”

Definindo-se como um “nacionalista místico e um sebastianista racional”, Pessoa era também “e em contradição com isso, muitas outras coisas”. Indo mais além do Quinto Império de Vieira, a que corresponderia o florescimento de todas as comunidades da Terra, Pessoa projectava no seu “Quinto Império” o florescimento de todas as pessoas que nós somos ou poderíamos ser – muito ao jeito dos vários heterónimos que nele desabrocharam. Haverá maior desafio contemporâneo que este?

4 comentários:

Miguel disse...

andas a ler os mesmos livros que eu!!

Miguel disse...

quando virás, ó encoberto?
sonhos das eras, português

Pedro disse...

O Encoberto somos nós povo, capazes de mudar o rumo da (nossa) história!

Creio bem que não é por acaso que Lisboa e Atenas se encontram à mesma latitude...

Infelizmente, demasiadas vezes, estivemos à espera do herói providencial... mas que seria do fidalgo alentejano Vasco da Gama, sem o concurso dos anónimos marinheiros que pilotaram as naus até Calecut?

Miguel disse...

o V império é a revolução da informação...em que todos são reis...

mesmo assim, isto era + giro com um rei. Alguém que consegui-se galvanizar as multidões, que consegui-se catalisar as energias nacionais...LOLOLOLOLOLOL