Ainda me ocorreu, inicialmente, fazer circular a versão de que ela me deixara por ter-me apanhado na cama – na nossa cama de casal – com uma prostituta brasileira, mas desisti: não pegaria de estaca. Todos sabiam-me demasiado sério – não dizendo medroso… – para conseguirem imaginar-me envolvido em tão despudorada historieta - começando pela senhora minha mãe.
Mas, não, nada disso. Para quê vestir a pele do lobo devasso, quando podia ser o capuchinho vermelho da inocência traída? Porque pensaria na traição? O mais simples era matá-la. Pousando como viúvo, sim! Dignidade conservada conquistando de permeio a simpatia alheia, coisas que jamais granjearia como um putanheiro qualquer. Não seria um mau plano, nada mau mesmo…
Na prática o meu casamento tinha acabado, mas melhor seria terminar com um “acidente trágico de viação” ceifando a vida da Inês, do que comigo largado como um cão. Sobretudo, era um enredo, tangível, palpável e realista. Com a técnica de cremação dos cadáveres, nem precisava dum túmulo, bastando-me exibir um pequeno pote com algumas cinzas aos familiares do costume que não se esquivam nunca. No silêncio da morte cessariam, calando-se, as perguntas embaraçantes… E como numa cena siciliana, sem faca alguma mas com muitos alguidares, a Inês cortara relações com os meus nas vésperas do nosso casamento... não acharia muito bizarro ninguém que tivesse ficado de fora do funeral, tendo já faltado à boda!
Estava feito! Fui recuperar do armário as gloriosas farpelas negras da juventude gótica, “matando” a Inês numa vinda capotada de Trás-os-Montes. Experimentei as calças de cabedal, mas não me serviram. Engordara uns quilos nestes últimos anos e apalpando as fartas fatias de banha do meu abdómen, apercebi-me de quanto o índice do meu fracasso se podia medir pelo diâmetro da barriguinha - que de inha nada tinha.
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