Se já não era capaz de encarar de frente, olhos nos olhos, o mundo na condição de divorciado; na pele de desempregado, então, tomei sumiço! Não foi, sequer, difícil: eu já estava meio morto. Ou pelo menos, a vida pacata e organizada como a conhecera, bruscamente se desvaneceu num dia de chuva. Queimadas as asas, encerrei-me no casulo. Durante meses amortalhei-me vivo em casa, fumei ganzas e li sobre astrologia.
Muitos apontariam o dedo, clamando inchados no mortiço esplendor dos seus pequeninos sucessos: “coitado, é fraquinho da cabeça!” Julgassem, porém, o que entendessem da minha retirada em debandada! No isolamento e vivência ascética tornei-me verdadeiramente livre – como nunca o fora. Não prestava contas a ninguém, senão ao delaer e à mercearia indiana onde comprava os enlatados que magramente me mantinham. De vez em quando ia ao centro de emprego, mas era mera formalidade: toda a extensa formação escolar que recebera, servia para labor algum. Era um licenciado em História e o melhor seria procurar trabalho num call center.
Preferi viver na indigência a ter de atender telefones para sobreviver. Vendi o carro e a televisão. Reduzindo as despesas, esticando, esticando, abusando de chá e torradas, seria capaz de aguentar – somando as economias e o subsídio de desemprego - dois anos, três meses e dezassete dias barricado na minha auto-estima ferida: contas feitas e revistas desde que não houvesse um choque petrolífero ou me viciasse no bingo do Belenenses. Porque para a ganza dava!
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