4/02/2010

Marionetas do Horóscopo 16


Expiação pela frente, sem dúvida. Fui à procura dessa informação vital e bati à porta bastante constrangido. Jogando pelo seguro, levei comigo as passagens daquela viagem ao México que não mais faria com a Andreia. Era o cabrito que tinha para o sacrifício reverencial, pois mesmo não vestindo uma camisa impecavelmente engomada, tinha um trunfo na manga: não sendo pródigo, nem filho muito varão, era porém o rebento único.


Cruzei a soleira do apartamento dos papás com as passagens na mão e o credo na boca. Balbuciei uma tímida saudação. Doía: Não trocávamos palavra havia dois anos.


“Voltaste. Eu sabia que não ias dar certo!” - Regressava como as ovelhas negras, que se tresmalham e são por fim vencidas: olhos postos no chão, língua mordida às muitas provocações e mãos cerradas, crispadas, para não estrangular ninguém. Aguentei-me. Respirei fundo. Mais fundo ainda e acalmei. Adorava a minha mãe, mas só me apetecia matá-la. Representei, tanto quanto possível. Confessei, disse que sim a quase tudo, capitulando ao comprido e em desgraça. Suportei o melodrama da reconciliação e comi a sopinha toda até ao fim.

Não viera atrás duma refeição decente, mas também ajudava. A humilhação e o arrependimento, todavia, tinham propósitos mais elevados, mais amplos e largos do que um prato de lentilhas. Esperei o momento. Por alturas do café, enquanto passava o açúcar, coloquei à minha mãe a pergunta sacramental: “mamã, lembras-te a que horas nasci?

Ela suspirou, queixando-se abundantemente dos muitos martírios e poucas alegrias que eu lhe proporcionara. Foi uma longa resposta. Aproveitou a deixa e desenrolou um denso novelo de recordações, ficando eu a par de toda a epopeia do meu dia D, mas na mesmíssima ignorância sobre a hora precisa de nascimento… Pois entre o que o que ela jurava a pés juntos e o que afirmava lembrar-se o meu pai, havia uma discrepância de hora e meia. Que fazer?

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